terça-feira, 20 de outubro de 2009

Os versos mentem, os olhos acreditam e o coração sente


*Hoje, 20 de outubro, comemora-se o Dia do poeta.

Presto minha homenagem a todos que se sentem nessa condição.




Para cada ser solitário

Uma solidão única

Para cada verso

Interpretações abundam


Felizmente

Refletidos nas retinas

O poeta, infeliz, os mente

Mente uma angústia pressentida


Dou-te meus versos, aprecie-os

Mostre-os a quem quiser vê-los

Faça-os e entrega-os de novo

A outros tantos olhos nus


Acenda a baixa luz

Dê-me as relíquias

Desça ao porão

Enquanto todos dormem

Quantas mãos o tocarão?

domingo, 11 de outubro de 2009

Sobre: “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarice Lispector






Clarice Lispector transmite ao leitor de “A Paixão segundo G.H.” romance existencialista publicado pela primeira vez em 1964, as intranquilidades espirituais e os dilemas emocionais da personagem G.H.

A primeira vista, uma mulher discernida e bem sucedida na profissão e nas relações sociais, mas que anseia encontrar a auto-identidade e, nas profundezas de seu apartamento classe média-alta carioca, parte em busca do conhecimento interior.

Vagando só em seu recolhimento urbano, chega ao pequeno quarto da empregada, que naquele dia, se encontrava “quase vazio”.


Depara-se diante de uma repugnante e nojenta barata.

Uma observa a outra, G.H. observa a outra e a si.

Desencadeia-se, de súbito, em G.H., toda uma sequência de fatos conexos, levando-a à refletir sobre o sentido de sua existência e dos seres ao seu redor.

A sua pior descoberta experimenta diante da barata viva:


"A de que o mundo não é humano. E ninguém é humano o bastante".


Esse “fluxo de consciência” é a essência que dá forma ao romance introspectivo, criado por Clarice.

À medida que surgem, na cabeça da personagem, os pensamentos são materializados numa escrita baseada no estudo da consciência, uma viagem ao âmago, que traz à tona a plena crise individual de uma senhora de meia-idade.

Não há uma estória com inicio, meio e fim.

A narrativa se inicia num momento qualquer, enquanto a personagem, numa aflição subentendida, tecla compulsivamente várias vezes uma letra em sua máquina de escrever.

A atmosfera de instabilidade emocional retratada nas páginas do romance é o grande atrativo da obra.

Ele dever ser sentido. Não há como lê-lo.


As aflições devem ser perspicazmente percebidas pelo leitor a cada virada de página.

De seu apartamento, ultimo andar de um edifício de 13; G.H., depara-se com a corrosiva rotina e resolve então, adentrar-se ao quarto da empregada que acabara de demitir.

Há meses não ia até aquele pequeno cômodo serviçal.


Eis que, ao “invadi-lo”, também se “invade”.

E nessa, “incursão à alma” vê-se num enorme vazio interior.

Avista uma solitária barata deixando o armário e tem-se então, um momento de manifestação dos sentidos primitivos, imaginando ser necessário “voltar às origens” para resgatar a felicidade plena, sem vícios ou cinismos.


Deveria interagir, tocar e provar a barata para irromper sua solidão mascarada, seu mundo alienado e asséptico e assim, re-descobrir sozinha, o caminho.

O caminho através da náusea.

O momento que antecede a “revelação da busca interior” traz náusea violenta do enorme fardo de angustia que se instalara na mente da personagem.

A dolorosa sensação da fragilidade da condição humana, a dúvida e a incerteza das escolhas e dos caminhos percorridos e a percorrer, de certa forma, geram no leitor o desenvolvimento do senso crítico e os modos de aceitar suas falhas e dominar seus medos e incertezas quanto à sombra do passado escurecendo o futuro.

E, só assim, surge a “epifania”, o regozijo pleno da revelação.

"(...) porque não és nem frio nem quente, porque és morno, eu te vomitarei da minha boca, era Apocalipse Segundo São João, e a frase que devia se referir a outras coisas das quais eu já não me lembrava mais, a frase me veio do fundo da memória...”

*Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920.

Morreu no Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário.

domingo, 4 de outubro de 2009

Sobre a obra máxima de Cervantes














O livro Dom Quixote de La Mancha, escrito por Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616), iniciado em 1602, pode ser considerada a melhor literatura de ficção de todos os tempos.


Composta de 126 capítulos de loucuras, amizades, sabedoria e encantamentos, são divididas em duas partes: a primeira surgida em 1605 e a outra em 1615.

A obra se baseia numa sátira às histórias de cavaleiros, muito em voga naqueles tempos.


Dom Quixote, depois de uma caçada, sentiu-se extremamente fadigado e moribundo.

Clama por ajuda e é atendido rapidamente.

Levam-no ao seu leito.

O cavaleiro, de súbito, percebe a presença da morte.

Magérrimo por toda sua existência terrena, sempre dispôs de saúde suficiente para aventurar-se pelo mundo quando bem entendera.

Vivia junto a agregados num brejo seco em La Mancha e passara seus dias inúteis lendo os feitos dos heróis de cavalaria.

Venerava-os e os tinha como ídolos e exemplos de vida profícua.


Mas um dia, de tanta leitura, seus miolos se entupiram.

Afinal, muitas lendas povoavam sua mente senil.

Um médico foi chamado e a recomendação foi à busca da salvação da alma, porque o corpo iria sucumbir brevemente.


A personagem, Amadis de Gaula, o espadachim fantástico, até então idolatrado por Quixote, passou a ser por ele odiado.

Coisas estranhas aconteciam na mente daquele enfermo homem.

Mas, num lapso de serenidade pôs-se a esperar pela morte.

Queria se livrar dos fantasmas literários que nutriam seus pensamentos doentios.

Subitamente algo ocorreu...


Com berros enfáticos, o velho Dom Quixote disse ter restaurado plenamente o juízo, livrara-se das malditas leituras que fizera sobre os feitos dos cavaleiros por toda sua vida e ordenou que pusessem uma sela em seu ordinário cavalo, Rocinante, calçou suas velhas botas e armou-se como seus antepassados: um escudo enferrujado e uma lança torta e, num ímpeto, partiu em busca de aventuras em terras castelhanas que lhe trouxessem renome e glória.

Suas andanças foram ricas em intempéries e impasses fortuitos.

Fantasiou o amor por uma dama ilusória, Dulcinéia Del Tomboso, e nutriu amizade fraterna com o camponês gorducho Sancho Pança.


“Esta que vês de rosto amondongado,

Alta de peitos, e ademã brioso

É Dulcinéia, rainha Del Tomboso,

De quem esteve o grão Quixote enamorado...” (pag. 339)


Sua grande frustração era com sua contemporaneidade.

Dizia que a invenção da pólvora estragou tudo.

Acabou-se com os nobres cavaleiros, que, ao ouvirem um disparo, fugiam rapidamente com suas lanças a balançar para o horizonte.

Em seu livro, Cervantes usa um pragmatismo crítico, do escudeiro que revela um conhecimento do mundo distante dos questionamentos e indagações do cavaleiro sobre a existência terrena, a morte e os dogmas sagrados.

Ambos carregam consigo, um conhecimento filosófico empírico e juntos esses conhecimentos se interagem e se completam.


“Tiram as almas dos eixos, as grandes forças do amor, são os cuidados do ócio, seu instrumento melhor.” (pag. 551)


Com uma visão cética, porém concisa, o escudeiro não procura respostas, já as tem pela experiência de vida.

Domina o tempo e não tem medo de enfrentar a tão temida morte.

Sancho Pança sabe transitar entre o mundo da taverna, das brigas, da morte e das agruras mundanas, sublimada empiricamente e recheada de filosofia existencialista em que se encontra o romântico cavaleiro.


"(...) Aqui jaz quem teve a sorte

De ser tão valente e forte

Que o seu cantor alegrou

Que a morte não triunfou..."

(pag.677)



*Meu exemplar: Editora Nova Cultural, São Paulo: 2002