sábado, 17 de setembro de 2011

Vento no canavial


  "Tenho corpo e labor em outro lugar
                        Mas foi lá que meu coração nunca deixou de habitar."
                                                                               (Lou Marciano James)




Grandes são seus mitos, foram reais as suas lendas
Suas ciladas, que cresceram nessas trilhas como matos entre fendas
 R.I.P. Vicente Saci, Cabeça Dela, Adalgisa e o Mudinho
Japonês do alho e tantos outros de vida desgraçada


Olhando para trás, eu os aceito, a verdade está na terra
Desolada, vermelha na imensidão, descansem em paz, consolação
Deixem-me descansar também, estou farto de nadar nesse grande rio
Que ainda mata e só a minha sede é que não morre


Os que correm, são pneus enormes e deixam rastros fofos
Seu silêncio é tão breve, difícil perceber e explode como rojões
Todos os dias, segundas-feiras, sábados, domingos e dias de eleições
Explodíamos a caminho dos ranchos, sensações no relevo plano


Naquele tempo, era-me bom vivê-la, isso é certo e não me engano
De bicicleta, à Cabeça do Boi, entre os algodões do Ivo Queiroz
Os feijões do João Tadeu, margeando o Rio Grande
A Algodoeira do Mate Moisés, as casas de aluguel do Sr. Joel


Porto de areia, ranchos e roças, córrego do atalho
As terras dos Barbosa, a chácara do Quinzinho e as casas do Salim Miguel
Nas palavras, da velha cerâmica, telhas e nem a chaminé nos restou
Tudo foi demolido, inclusive os meus sonhos


Mas os cachorros... Ah os cachorros!
Proliferam-se como ratos e estão por toda parte
Eu ainda sou seguidor da liberdade e nunca houve tempo tão bom
Seu povo me mostra que a pobreza é mais rica do que a riqueza


Sua democracia é baseada na avareza
Depressões, suicídios, envenenamentos frustrados, deslizes, gritos insanos e dores do parto
Nascem e morrem, a juventude, a força, o fascínio e a decepção
Por obséquio, eis que surgem novos dias, novas ambições, falcatruas e risadas burocráticas, pois não


Dias e noites, traições são trazidas pelos ventos vindos do canavial
Que a rodeia, suas terras nutrem fogo e ignorância
Não há mais soja, sorgo ou algodão, talvez um pouco de esperança
Como é grande a riqueza e a pobreza da cana-de-açúcar, da cachaça em abundância


Grande é a velhice sensual e sedutora como aquela casinha na roça
Quero saber, desde criança, o que há lá dentro...
... Será que dentro dela há truculências, falsos planos, promessas vãs?
Onde estará a riqueza de sua alma, sua cultura e educação?


Seu orgulho e seu amor, onde estão?
Da cidade ao lado vem o emprego e seu sustento pela Usina Colorado
Trabalho diurno, trabalho noturno, o sono bate, o olho arde
Na madrugada negra, ainda faz-se tarde, muito tarde
É hora de tentar dormir um pouco, em silêncio, escondido, sem alarde




*Miguelópolis é uma cidade do nordeste do Estado de São Paulo, onde passei meus primeiros vinte anos.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Entre professor...




Sou perverso e excitante, mas só quero ir para casa agora
É tão tolo, fútil e inútil cantar para alguém quando se está sozinho
Ou para alguém que já não ouve o mundo há muito tempo
Atitude típica de quem é tagarela; há muitos nessa escola velha


Falar por falar... Sendo que Deus deu-lhe apenas uma boca, minha jovem
Ganhaste dois ouvidos, somente para ouvir mais
E falar menos, enquanto o surdo segura o cesto de morangos silvestres
Seria mesmo tão horrível envelhecer segurando esse giz branco?


Envelhecer sendo egoísta a vida inteira, furando filas nos bancos
Abstêmio, sem prazeres, sem trivialidades, sem bom humor
Só crenças e desavenças permearam minha existência
Lembro-me quando era jovem, magro e ridicularizado


Isso me servia como terapia, fazia-me forte por um instante
Agora, seu assovio me perturba e suas lágrimas pertencem só a você
Elas são sagradas, são femininas e te deixam ainda mais linda
Talvez seu maior defeito seja insistir em viver pela beleza


Enquanto o meu defeito é esperar pela herança
Mas ela nunca vem, mata-me a esperança
De dias melhores, abastados, resta-me essa caixa com velhos brinquedos
E, brincando mato o meu tempo...


Ah, velho tempo!
Certa vez, disseram-me que tenho pescoço e braços bonitos
Mas, minhas pernas são finas e não consigo ir muito longe com elas
Porém, vou longe com minhas idéias, com meus pensamentos fortes


Só as cãibras poderão me deter...
... E, dói tanto sorrir para o meu diretor, dói-me tanto a face
Sou professor e não consigo ensinar
Ensinar a mim mesmo a aprender


Fui acusado de culpa, mas, de negligência nunca me acusaram
Todavia, sinto que isso possa ser verdade
Condenado! Condenado! Mil vezes condenado por culpa
Tenho pena de mim mesmo, professor, eu tenho pena de mim mesmo!




*A Isak Borg, personagem de “Morangos Silvestres” (1957). Direção: Ingmar Bergman.