domingo, 11 de outubro de 2009

Sobre: “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarice Lispector






Clarice Lispector transmite ao leitor de “A Paixão segundo G.H.” romance existencialista publicado pela primeira vez em 1964, as intranquilidades espirituais e os dilemas emocionais da personagem G.H.

A primeira vista, uma mulher discernida e bem sucedida na profissão e nas relações sociais, mas que anseia encontrar a auto-identidade e, nas profundezas de seu apartamento classe média-alta carioca, parte em busca do conhecimento interior.

Vagando só em seu recolhimento urbano, chega ao pequeno quarto da empregada, que naquele dia, se encontrava “quase vazio”.


Depara-se diante de uma repugnante e nojenta barata.

Uma observa a outra, G.H. observa a outra e a si.

Desencadeia-se, de súbito, em G.H., toda uma sequência de fatos conexos, levando-a à refletir sobre o sentido de sua existência e dos seres ao seu redor.

A sua pior descoberta experimenta diante da barata viva:


"A de que o mundo não é humano. E ninguém é humano o bastante".


Esse “fluxo de consciência” é a essência que dá forma ao romance introspectivo, criado por Clarice.

À medida que surgem, na cabeça da personagem, os pensamentos são materializados numa escrita baseada no estudo da consciência, uma viagem ao âmago, que traz à tona a plena crise individual de uma senhora de meia-idade.

Não há uma estória com inicio, meio e fim.

A narrativa se inicia num momento qualquer, enquanto a personagem, numa aflição subentendida, tecla compulsivamente várias vezes uma letra em sua máquina de escrever.

A atmosfera de instabilidade emocional retratada nas páginas do romance é o grande atrativo da obra.

Ele dever ser sentido. Não há como lê-lo.


As aflições devem ser perspicazmente percebidas pelo leitor a cada virada de página.

De seu apartamento, ultimo andar de um edifício de 13; G.H., depara-se com a corrosiva rotina e resolve então, adentrar-se ao quarto da empregada que acabara de demitir.

Há meses não ia até aquele pequeno cômodo serviçal.


Eis que, ao “invadi-lo”, também se “invade”.

E nessa, “incursão à alma” vê-se num enorme vazio interior.

Avista uma solitária barata deixando o armário e tem-se então, um momento de manifestação dos sentidos primitivos, imaginando ser necessário “voltar às origens” para resgatar a felicidade plena, sem vícios ou cinismos.


Deveria interagir, tocar e provar a barata para irromper sua solidão mascarada, seu mundo alienado e asséptico e assim, re-descobrir sozinha, o caminho.

O caminho através da náusea.

O momento que antecede a “revelação da busca interior” traz náusea violenta do enorme fardo de angustia que se instalara na mente da personagem.

A dolorosa sensação da fragilidade da condição humana, a dúvida e a incerteza das escolhas e dos caminhos percorridos e a percorrer, de certa forma, geram no leitor o desenvolvimento do senso crítico e os modos de aceitar suas falhas e dominar seus medos e incertezas quanto à sombra do passado escurecendo o futuro.

E, só assim, surge a “epifania”, o regozijo pleno da revelação.

"(...) porque não és nem frio nem quente, porque és morno, eu te vomitarei da minha boca, era Apocalipse Segundo São João, e a frase que devia se referir a outras coisas das quais eu já não me lembrava mais, a frase me veio do fundo da memória...”

*Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920.

Morreu no Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário.

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