Tua lua nos eleva, entre cercas, cães e fuzis
Faço uma retrospectiva das paixões, dos labores...
Mas, só me percebo agora, em tuas fotografias velhas
Nos desejos suprimidos, na vida cinza e infeliz, nos poucos amores
Enquanto sigo em frente, busco alternativas, consolações
Não temo o futuro, me acostumei com o presente
Meus olhos miraram muitos cadáveres conhecidos
Estão escuros de sangue quente numa velha face empalidecida
Mas, foram curiosos e transbordavam indignação diante aos suprimidos
13 de agosto de 1961, uma nova nação composta da mesma gente
Por decisão do governo socialista da Alemanha Oriental
Tem-se a construção de um muro fatal
Um planeta inteiro, etnias, continentes e economias
Divididas estão, nossa população e sua capital
Foi uma experiência comunista fracassada?
Quatro décadas de totalitarismo e lavagem cerebral
As cicatrizes estão no asfalto, no sistema e nas gerações
Outros tantos ansiosos, querendo deixar para trás
O leste trazia desengano, emprego, um lar e ordens do soberano
Alguém lhe tapeia?
Ou estás a tapear?
Dias de trabalho, linhas de produção num bom ou mal cotidiano?
O que são minhas noites, meus sonhos, minha paz, minha gente, mãos e calos são consolos?
Homens ao lado, não queiram atravessar, homens à frente fardados, transpô-los, nem adianta tentar
Precisava fluir outros rumos
Pular aquele muro, deixar esse local
Dizem-me ser de oportunidades
Isso me desperta interesse
O lado do sol ocidental
Aqui não tenho lucro, mas sou produtivo
Não reclamo, vivo ocupado, sou magro, tenho princípios
Sempre haverá fábricas, fazendas, mercados, ativos e passivos
Mas, do que valerá meu prazer com essas mulheres?
Alegrias supérfluas num céu opaco e sem filhos e posses por temer deixar o legado de minha miséria confiscada
O grito dos mortos ecoa naquele lugar, na linha tracejada
Cicatrizes nos tijolos e no asfalto me acenam
A diferença entre obedecer ou negar o sistema
Produção sem o lucro é meu fantasma nessa cidade
Uma vida desconsiderada pela busca da liberdade plena
Minha tenacidade me fez recuar tantas vezes
Mas, hoje boquiaberto
Vejo martelos, braços, picaretas derrubando concreto, quebrando tijolos
Cai o muro, surgem poemas e aplausos, um marco na história pela fronteira aberta bem à minha frente
Fluímos rumo ao desconhecido ocidente, o leste liberto desperta contente
O homem e sua vida ganhando escolhas?
*Muro de Berlim: 13 de agosto de 1961 - 9 de novembro de 1989.
As centenas de tentativas de fuga para o lado ocidental causaram a morte de 80 pessoas e 112 ficaram feridas de acordo com os números do governo alemão.