segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Em Berlim: um muro, um povo










Tua lua nos eleva, entre cercas, cães e fuzis

Faço uma retrospectiva das paixões, dos labores...

Mas, só me percebo agora, em tuas fotografias velhas

Nos desejos suprimidos, na vida cinza e infeliz, nos poucos amores




Enquanto sigo em frente, busco alternativas, consolações

Não temo o futuro, me acostumei com o presente

Meus olhos miraram muitos cadáveres conhecidos

Estão escuros de sangue quente numa velha face empalidecida

Mas, foram curiosos e transbordavam indignação diante aos suprimidos




13 de agosto de 1961, uma nova nação composta da mesma gente

Por decisão do governo socialista da Alemanha Oriental

Tem-se a construção de um muro fatal

Um planeta inteiro, etnias, continentes e economias

Divididas estão, nossa população e sua capital




Foi uma experiência comunista fracassada?

Quatro décadas de totalitarismo e lavagem cerebral

As cicatrizes estão no asfalto, no sistema e nas gerações

Outros tantos ansiosos, querendo deixar para trás

O leste trazia desengano, emprego, um lar e ordens do soberano




Alguém lhe tapeia?

Ou estás a tapear?

Dias de trabalho, linhas de produção num bom ou mal cotidiano?

O que são minhas noites, meus sonhos, minha paz, minha gente, mãos e calos são consolos?

Homens ao lado, não queiram atravessar, homens à frente fardados, transpô-los, nem adianta tentar




Precisava fluir outros rumos

Pular aquele muro, deixar esse local

Dizem-me ser de oportunidades

Isso me desperta interesse

O lado do sol ocidental




Aqui não tenho lucro, mas sou produtivo

Não reclamo, vivo ocupado, sou magro, tenho princípios

Sempre haverá fábricas, fazendas, mercados, ativos e passivos

Mas, do que valerá meu prazer com essas mulheres?

Alegrias supérfluas num céu opaco e sem filhos e posses por temer deixar o legado de minha miséria confiscada




O grito dos mortos ecoa naquele lugar, na linha tracejada

Cicatrizes nos tijolos e no asfalto me acenam

A diferença entre obedecer ou negar o sistema

Produção sem o lucro é meu fantasma nessa cidade

Uma vida desconsiderada pela busca da liberdade plena




Minha tenacidade me fez recuar tantas vezes

Mas, hoje boquiaberto

Vejo martelos, braços, picaretas derrubando concreto, quebrando tijolos

Cai o muro, surgem poemas e aplausos, um marco na história pela fronteira aberta bem à minha frente

Fluímos rumo ao desconhecido ocidente, o leste liberto desperta contente


O homem e sua vida ganhando escolhas?






*Muro de Berlim: 13 de agosto de 1961 - 9 de novembro de 1989.

As centenas de tentativas de fuga para o lado ocidental causaram a morte de 80 pessoas e 112 ficaram feridas de acordo com os números do governo alemão.

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