O Estádio Waldemar de Freitas e suas falhas na grama
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Miguelópolis Revisited
O Estádio Waldemar de Freitas e suas falhas na grama
domingo, 8 de novembro de 2009
Zé-do-Burro, o pagador de promessas
Vi tudo de longe, pela grande tela
Zé-do-Burro, faca em punho, avança pelas escadas velhas
Pelo sacro-dever, o padre o impede, a promessa não se cumprirá
O delegado antecipa-o, quem lhe desafiará?
O povo lhe defende, surge uma onda humana
Na confusão ouviu-se um tiro, uma consternação
No meio da multidão, olhei para o lado, doía-me o coração
Estouro de boiada, corre-corre, dispersão
Na porta da igreja escolhida, Zé-do-Burro, jaz ao chão
Rosa grita, um choro em explosão
Lá vem o padre, sinal da cruz
Encomenda da alma do pobre moribundo sertanejo
Rosa o afasta, com olhar de desprezo
O Mestre Coca, capoeirista, faz gesto preciso aos companheiros
Inclinam-se sobre o corpo estendido na ladeira
Fixam-no na cruz da promessa vã
Numa nobre homenagem derradeira
Carregam-no assim, como um crucificado
O padre recua sobre os degraus ensanguentados
Avançam-no, pela entrada principal
Arrombam a porta, dirigem-se ao altar, numa entrada triunfal
Termina a peregrinação, cumpre-se a promessa ao burro Nicolau
*O Pagador de Promessas é um filme brasileiro de 1962, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, dirigido por Anselmo Duarte (Salto, 21 de abril de 1920 - São Paulo, 7 de novembro de 2009), baseado na peça teatral de Dias Gomes.
*A Anselmo Duarte e sua obra-prima, minha homenagem póstuma em forma de prosa-poética.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Claude Lévi-Strauss, não entristeça nossos trópicos
As alianças são mais importantes
Para a estrutura social
Que laços de sangue seletos?
Culturas são como sistemas de signos
São partilhados e estruturados por finos princípios
Que estabelecem o funcionamento do intelecto
Existem regras estruturantes
Sobre as culturas, na mente humana
E estas regras raízes
Constroem pares de oposição
Organizam todo o sentido, corrigem a direção
Aprendi isso, num livro de viagem
Repleto de passagens duras
Onde o Lévi-Strauss fez investigações puras
Interessado pelas filosóficas e verdes paragens
Com o único objetivo do conhecimento pleno, das linguagens
Indagações pessoais desse paladino estrangeiro
Antropólogo que aqui veio, sorrateiro
Sobre o status de mestre
Analisou nossas tribos, nossa cultura em formação
Fotografou a urbanidade de São Paulo em construção
Entre o Velho e o Novo Mundo, uma lágrima no coração
Concepções de progresso e de civilização
Nessas plagas, tristes trópicos, nosso povo em expansão
*Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908 - Paris, 31 de outubro de 2009)
domingo, 1 de novembro de 2009
Sobre a “Felicidade clandestina” de Clarice Lispector
A personagem central desse conto de Clarice Lispector, narra uma história que ocorreu em sua infância em Recife, Pernambuco.
Era amante da leitura desde tenra idade.
Mas, a situação financeira de sua família impedia-lhe de comprar os livros que desejavas.
Havia, outra garota, descrita como: baixa, gorda, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, que possuía o que uma criança devoradora de livros mais sonhava: seu pai era dono de uma livraria.
Todavia, a colega não valorizava o hábito da leitura e, pior, sentia-se inferior às outras coleguinhas de escola e bairro, sobretudo à narradora.
Certo dia, a filha do comerciante de livros, com enorme talento para a crueldade, informou à jovem que possuía um exemplar de Monteiro Lobato: O clássico: “As Reinações de Narizinho”.
A protagonista, então, passou a confabular consigo, imaginando-o em seus braços, o toque e o folhear das páginas, viver com ele, comê-lo e dormir ao seu lado.
Mas, ele estava muito acima de suas posses.
- É só pegá-lo em casa, te empresto, afirmava num cinismo juvenil, chupando balas fazendo barulho.
A jovem passou, a sonhar com a real possibilidade de tê-lo, mesmo que brevemente, por meio de um empréstimo.
Envolta em enorme ingenuidade, a menina rotineiramente passava na casa e o livro sempre estava indisponível, sob a alegação de que a garota chegara atrasada ou passara em hora errada e já havia emprestado-o a outra garota.
E esse suplício durou um bom tempo.
Até que, certo dia, a mãe da cruel colega, achando estranho aquelas visitas constantes em sua casa, interveio na conversa das duas e percebeu a atitude sádica da filha.
Houve uma “confusão silenciosa”; a mãe, estarrecida, descobriu a filha que tinha.
Uma jovem com perversidade em potencial.
Refazendo-se do choque, ordenou a filha que buscasse o exemplar de Lobato que nunca saíra de lá.
Sem pestanejar, num ato de corrigir um erro moral familiar, emprestou o livro à garota sonhadora.
E disse que seria: - Pelo tempo que desejasse.
A jovem, de súbito, passa a nutrir uma “felicidade clandestina” nunca antes provada ou sentida.
Tendo-o em posse, fez questão de esquecê-lo.
Chegando em casa, foi se alimentar, usava o tempo, ignorava-o.
Fingia que não o tinha.
Criava a “surpresa” de achá-lo, para que a tal, felicidade clandestina se eternizasse continuadamente durante o arrastar dos ponteiros.
Aquele gesto lhe trazia orgulho e pudor.
Às vezes, sentava-se na rede com ele no colo, abrindo-o e abstendo-se de tocá-lo.
Sentia êxtase puro.
Não era mais uma menina com um livro, era uma mulher com seu amante.
*Lispector, Clarice “Felicidade Clandestina” Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves 1996