domingo, 1 de novembro de 2009

Sobre a “Felicidade clandestina” de Clarice Lispector





A personagem central desse conto de Clarice Lispector, narra uma história que ocorreu em sua infância em Recife, Pernambuco.


Era amante da leitura desde tenra idade.

Mas, a situação financeira de sua família impedia-lhe de comprar os livros que desejavas.


Havia, outra garota, descrita como: baixa, gorda, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, que possuía o que uma criança devoradora de livros mais sonhava: seu pai era dono de uma livraria.

Todavia, a colega não valorizava o hábito da leitura e, pior, sentia-se inferior às outras coleguinhas de escola e bairro, sobretudo à narradora.


Certo dia, a filha do comerciante de livros, com enorme talento para a crueldade, informou à jovem que possuía um exemplar de Monteiro Lobato: O clássico: “As Reinações de Narizinho”.

A protagonista, então, passou a confabular consigo, imaginando-o em seus braços, o toque e o folhear das páginas, viver com ele, comê-lo e dormir ao seu lado.

Mas, ele estava muito acima de suas posses.


- É só pegá-lo em casa, te empresto, afirmava num cinismo juvenil, chupando balas fazendo barulho.


A jovem passou, a sonhar com a real possibilidade de tê-lo, mesmo que brevemente, por meio de um empréstimo.

Envolta em enorme ingenuidade, a menina rotineiramente passava na casa e o livro sempre estava indisponível, sob a alegação de que a garota chegara atrasada ou passara em hora errada e já havia emprestado-o a outra garota.


E esse suplício durou um bom tempo.

Até que, certo dia, a mãe da cruel colega, achando estranho aquelas visitas constantes em sua casa, interveio na conversa das duas e percebeu a atitude sádica da filha.


Houve uma “confusão silenciosa”; a mãe, estarrecida, descobriu a filha que tinha.

Uma jovem com perversidade em potencial.

Refazendo-se do choque, ordenou a filha que buscasse o exemplar de Lobato que nunca saíra de lá.

Sem pestanejar, num ato de corrigir um erro moral familiar, emprestou o livro à garota sonhadora.

E disse que seria: - Pelo tempo que desejasse.


A jovem, de súbito, passa a nutrir uma “felicidade clandestina” nunca antes provada ou sentida.

Tendo-o em posse, fez questão de esquecê-lo.

Chegando em casa, foi se alimentar, usava o tempo, ignorava-o.

Fingia que não o tinha.

Criava a “surpresa” de achá-lo, para que a tal, felicidade clandestina se eternizasse continuadamente durante o arrastar dos ponteiros.

Aquele gesto lhe trazia orgulho e pudor.

Às vezes, sentava-se na rede com ele no colo, abrindo-o e abstendo-se de tocá-lo.

Sentia êxtase puro.

Não era mais uma menina com um livro, era uma mulher com seu amante.





*Lispector, Clarice “Felicidade Clandestina” Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves 1996

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