segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um pouco de Antonio Di Benedetto











Antonio Di Benedetto (2 de novembro de 1922 - 10 de outubro de 1986), foi um jornalista e escritor argentino que em 1953 publicou:

"Mundo Animal".


Nessa obra, há 21 contos metafóricos que se utilizam da figura de animais como personagens que discernem acerca da existência, da paixão e dos relacionamentos entre os seres e as coisas.

Cavalos, borboletas, vacas e ratos, além de outros bichos se apropriam das narrativas, tal qual uma experiência Kafkaniana.


Segue abaixo, o primeiro conto do livro:

"Borboletas de Koch"


Dizem que cuspo sangue e que logo morrerei.

Não! Não! São borboletas vermelhas. Vocês verão.

Eu via o meu burro mascar margaridas e presumia que essa placidez de vida, essa serenidade de espírito que lhe ultrapassava os olhos, era obra das cândidas flores.

Um dia, quis comer, como ele, uma margarida.

Estendi a mão e, nesse momento, pousou na flor uma borboleta tão branca como ela.

Eu disse para mim: por que não também?

E a levei aos lábios. É preferível, posso dizer vê-las no ar.

Têm um sabor que é tanto de óleo quanto de ervas ruminadas.

Tal, pelo menos, era o gosto dessa borboleta.

A segunda me deixou só cócegas insípidas na garganta, pois se introduziu ela mesma, em um vôo, presumi eu, suicida, atrás dos restos da amada, a deglutida por mim.

A terceira, como a segunda (o segundo, deveria dizer, acredito eu), aproveitou a minha boca aberta, não já pelo sono da sesta sobre o pasto, mas sim pelo meu modo um tanto estúpido de contemplar o trabalho das formigas, as quais, por sorte, não voam, e, as que o fazem, não voam alto.

A terceira, estou persuadido, há de ter tido também propósitos suicidas, como é próprio do caráter romântico presumível em uma borboleta.

Pode-se calcular seu amor pelo segundo e, da mesma forma, podem-se imaginar seus poderes de sedução, capazes, como foram, de fazer cair no esquecimento a primeira, a única, devo esclarecer, submergida - morta, ademais - por minha culpa direta.

Pode-se aceitar, igualmente, que a intimidade forçada em meu interior há de ter facilitado os propósitos da segunda das minhas habitantes.

Não posso compreender, em compensação, por que o casal, tão novo e tão disposto às loucas ações, como bem ficou provado, decidiu permanecer dentro, sem que eu lhe estorvasse a saída, com a minha boca aberta, às vezes involuntariamente, outras de forma deliberada. Mas, em detrimento do estômago pobre e desabrido que me deu a natureza, hei de declarar que não quiseram viver nele por muito tempo.

Mudaram-se para o coração, mais reduzido, talvez, porém com as comodidades de um lar moderno, estando dividido em quatro apartamentos ou cômodos, se assim se prefere chamá-los.

Isto, sem dúvida, aplanou inconvenientes quando o casal começou a se rodear de pequeninos.

Ali viveram, sem que na sua condição de inquilinos gratuitos pudessem se queixar do dono da casa, pois, ao fazê-lo, pecariam inadequadamente por ingratidão.

Ali estiveram elas até que as filhas cresceram e, como vocês compreenderão, desejaram, com sua inexperiência, que até nas borboletas põe asas, voar além.

Além era fora do meu coração e do meu corpo.

Assim é que começaram a aparecer estas borboletas tingidas no fundo do meu coração, que vocês, equivocadamente, chamam de cusparadas de sangue.

Como vêem, não o são, sendo, puramente, borboletas vermelhas do meu vermelho sangue.

Se, em vez de voar, como deveriam fazer por ser borboletas, caem pesadamente no solo, como coágulos que vocês dizem que são, é só porque nasceram e se desenvolveram na escuridão e, conseqüentemente, são cegas, as pobrezinhas.

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