quarta-feira, 3 de junho de 2009

Amor e coragem



Olhei para o lado direito e lá estava ela.
Cabelos dourados, lisos como fios de ouro. Seus olhos grandes possuíam duas esmeraldas envoltas num ar de confiança.
Parecia dona de si apesar da pouca idade.
Tinha gestos finos e prestava profunda atenção nas palavras da professora. Vez em quando abaixava a cabeça e escrevia.
Abria seu estojo com maestria e elegância, pegava a borracha rosada e esfregava contra a folha de seu caderno.
Repetia o gesto da escrita e terminava a frase com um ponto final e um sorriso discreto de missão quase cumprida.
Eu, nada fazia, apenas a admirava e sentia calafrios abdominais quando, em devaneios, pensava em pedir-lhe algo.
“Me empresta seu apontador”, pensava.
Só pensava, não conseguia produzir sons vocais.
Engolia a seco, mexia em meu cabelo e olhava as horas de meu relógio digital que acabara de ganhar de minha mãe.
Só isso.
Olhei para o Aldimir e lá estava ele a cutucar seu colega de frente.
Parecia que nem percebia aquela princesa bem ali ao nosso lado.
Atrapalhava a professora vez em quando, sofria repreensões e continuava com seu hipercinetismo, zoando a tudo e todos.
Eu, entre uma frase ditada e outra, virava-me para apreciá-la em seu mundinho.
Um dia o Aldimir resolveu atormenta-la.
Jogava bolinhas de papel minúsculas sopradas por entre uma caneta esferográfica sem carga, uma espécie de zarabatana feita com pouca criatividade.
Acertava-lhe nas costas, no rosto, mas ela não percebia de onde vinha o ataque preciso.
“Professora, alguém está me jogando bolinhas de papel. Com essa força dói”.
“Quem é o causador dessa bagunça”, exclamou a professora Neide.
Todos calados a olhar para baixo e o Aldimir com aquele sorrisinho sarcástico no cantinho da boca fingindo escrever algo em seu caderno.
A professora virou-se para a esquerda e continuou a caminhar e narrar seu texto; o Aldimir olhou para minha princesa e continuou seu ataque.
Foram dois sopros precisos, um na bochecha e outro na orelha.
A bela menina não se deteve, começou a chorar.
Naquele instante meu coração se partiu.
Tão bela, tão singela, não faria mal a qualquer ser que respirasse, e naquele momento sofria ataques covardes sem chances de defesa.
“Quem está fazendo isso?”, interrogou enfática a professora com a mão direita suja de giz amarelo.
Silêncio.
Respirei fundo e não me contive.
“Eu sei, professora”.
Nesse instante os olhos do Aldimir se inflamaram e senti seu juramento sobre mim.
Sem medo, exclamei:
“Foi o Aldimir!”
A classe não acreditou.
Todos me olharam com um olhar de espanto, pena e resignação, pois a qualquer momento sofreria conseqüências físicas por parte do acusado.
“Vá já para a diretoria Aldimir. Você dando trabalho novamente. Mandarei chamar seus pais para uma conversa séria”.
“Não fui eu professora, é mentira”, tentava argumentar o réu.
“Vou acabar com você ainda hoje”, disse-me com ódio e veemência.
“Na saída acertaremos as contas”, completou.
Tive medo. Olhei para minha princesa e ela sorriu para mim.
Disse-me obrigado e me estendeu sua mão esquerda.
Foi meu prêmio. Havia conquistado sua confiança.
Não sei se teria vida suficiente para usufruir sua amizade, mas sentia algo inefável. Pela primeira vez na escola havia ajudado alguém e justamente minha amada.
O tempo passou, o sinal soou e a aula findou.
Todos aguardavam o confronto que se daria lá fora.
Arrumei minha mochila e saí a passos lentos. Pensava na vitória do meu time de futebol, não sei por quê. Talvez como forma de distrair a mente.
Chegando ao portão uma roda de meninos me aguardava.
O Rodrigo chegou ao meu lado e disse-me a sorrir:
“Sua mãe está te esperando ali ao lado do pipoqueiro”.
Estava salvo. Sorri e corri na direção daquele carrinho rodeado de vidros e recheado de pipoca.
Mamãe estava conversando com o senhor dono do carrinho. Me viu e me abraçou.
Ao longe vi o Aldimir indo embora com seu pai, discretamente bravo.
A batalha não ocorreu, melhor para todos.
Amanhã é outro dia.

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