quarta-feira, 3 de junho de 2009

Lembrança de família






Sou oito anos e meio mais velho que meu irmão Eduardo.

E no período escolar oito anos são muita coisa.
Na vida somam-se duas copas do mundo e duas olimpíadas a mais, lembranças de grandes jogos lá no fundo de meus olhos.
Por conta desse espaço de tempo não tivemos muito contato no ambiente escolar, infelizmente.

Não temos estórias e histórias para relembrarmos juntos e nos deliciarmos de saudade.
Fica uma enorme lacuna em meus pensamentos, em minhas memórias.
Esforço-me para lembrar algo relevante, aquele fato, aquele dia...

Isso nunca aconteceu.
Quando estava a sair do colégio no qual passei toda a infância e que terminava com a oitava série, lá estava ele, uma bela criança de cabelos negros e encaracolados a entrar no espaço em que se respira conhecimento.
Sei, por intermédio de minha mãe, que ele teve muitas dificuldades no seu aprendizado fundamental.
Não sabíamos o que poderia ser. Não tínhamos conhecimento fisiológico e pedagógico para avaliarmos e darmos algum parecer eficaz.
Para mim, poderia ser preguiça de aprender, afinal tudo era tão fácil.
Ler e escrever eram coisas simples na minha concepção e sempre o critiquei por isso.
Tínhamos muitas desavenças, natural de irmãos, um criança e outro pré-adolescente. Pobre mamãe que arbitrava todas as confusões geradas por nós.
Em uma de nossas batalhas egocêntricas decidimos não nos falarmos mais. E, para não darmos o braço a torcer, mantivemos a palavra por longo período.
Mamãe já não agüentava mais aquela situação.

Um lar silencioso, a falta do amigo irmão. Isso era recíproco.
Solução em curto prazo: O que fazer???
Fomos os dois ao psicólogo da escola, um em dia após o outro.
O Eduardo foi primeiro. Nove anos vividos. Expressou-se por meio de desenhos ministrados pelo psicólogo. Boa intervenção.
Eu adolescente-mestre me via sempre dono da situação.

Fui relutando, mas durante a sessão me entreguei na busca da solução para aquela família dividida.
O psicólogo começou a falar sobre a falta que eu fazia na vida de meu irmão.
Como ele se espelhava em mim, suas atitudes e como gostaria que fossemos amigos.
Mostrou-me os desenhos que ele fizera e todos estavam expressando “vazio emocional”, nas palavras do psicólogo.
Chorei, não me contive.
- Como sou idiota, pensei a soluçar e sentindo as lágrimas quentes em minha face juvenil.
- Desculpe, disse ao homem.
- Não é a mim que você tem que se desculpar. Seu irmão é criança, é diferente de ti, não o cobre por atitudes individuais. Tente entende-lo.
- Cada pessoa é um universo a ser percorrido.
- Aproxime-se dele e o faça feliz, completou.

Chegando em casa, ainda olhos vermelhos, o encarei de frente.

Há tempos não fazia isso.
Sorri. Ele se assustou, abaixou a cabeça e erguendo-a impávido sorriu para mim também.
Confraternizamos-nos por alguns minutos eternos e, naquele dia, meu irmão me propôs um acordo: não mais brigaríamos, conversaríamos.
Achei uma atitude extremamente adulta para uma criança de nove anos.

Eu oito anos mais velho não antecipei essa iniciativa de conciliação.
Houve muitas outras brigas e desavenças depois, todavia sem violência e humilhações.
Somos mais que irmãos, somos grandes amigos, cada um respeitando a individualidade do outro. Cada um interagindo com o outro dentro de um fraterno respeito.

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