quarta-feira, 3 de junho de 2009

Brasil, um sonho intenso



A consideração que tenho pelo Hino Nacional Brasileiro é inefável, indescritível.
Mas não foi um sentimento emanado abruptamente como um jorro, como um vulcão que explode e expele sua lava em questão de minutos.
Foi um sentimento lapidado como se lapida um diamante, um rubi.
Foi gerado como se gera uma árvore.
E essa semente foi plantada pela professora Regina. Não de uma forma amigável como o leitor deve estar pensando, todavia impositiva, ferrenha, mas que surtiu efeito avassalador por uma questão moral, inteiramente moral.
Minha professora de Artes se tornava uma maestrina quando regia com suas delicadas mãos de dedos longos e finos sempre envoltos por anéis, vários anéis, o brado retumbante desse povo heróico.
Meados dos anos oitenta, século vinte, final de ditadura militar em nosso país.
Resquícios quartelescos e educação positivista prorrogavam os métodos de ensino nas escolas do Estado.
Havia Educação Moral e Cívica e Organização Social-Político Brasileira como matérias obrigatórias em nossos currículos de sexta e oitava séries respectivamente.
Mas, ao adentrar no mundo ginasial, não havia na quinta série nada parecido com as aulas de artes da professora Regina.
Soava o sinal, todos de pé, a professora entrava; olhar altivo.
Diário de classe, apagador e gises eram suas armas.
Nós, enfileirados, posicionávamos feito postes rígidos.
Postes humanos éramos nós!
- Bom dia pessoas! Dizia ela com seriedade e cumplicidade.
- Bom dia professora Regina! Dizíamos em uníssono.
Mãos seguras atrás dos quadris e lá íamos respirar profundamente para inicio da aula-cerimônia. - Um, dois, três...”Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...”
Nossa, era uma tensão.
Não podíamos errar jamais, seria uma afronta ao civismo.
Nós com dez anos de idade errando o Hino Nacional seriamos caso de julgamento sumário. Meninos sem nação, seria nossa pena taxativa.
E aí vinha a prova, a professora Regina apontava seu longo indicador para um de nós para que continuássemos em alguma estrofe seqüencial.
Quando alguém vacilava a continuação ou não continuava o canto o olhar intempestivo da professora feria o cerne do “sem nação” de tal maneira que este se sentia pífio, mínimo em relação aos outros e ao país.
E logo em seguida vinha a condenação: escrever cinco vezes a letra do Hino Nacional Brasileiro no caderno pautado de artes. Aliás, o pautado só servia para isso, já que o de desenho possuía outros fins.
Numa bela manhã nublada e quente prestes a cair uma estrondosa tempestade de verão, ouvindo os trovões ao horizonte a professora apontou para mim; justamente naquela parte: “Brasil um sonho intenso, um raio vivido de amor e de esperança a terra desce...”
Justamente eu que sempre confundia esse inicio com a segunda parte: “Brasil de amor eterno seja símbolo, o lábaro que ostentas estrelado.”
Foi o caos em minha mente. Fragmentos do Hino vieram e se foram e me perdi completamente. Gaguejei, tremi, cambaleei.
- Marcio, você até hoje não decorou nosso Hino? Que espécie de cidadão brasileiro é você? Aonde está o seu civismo? É por isso que estamos aonde estamos!
- Na Espanha todas as crianças sabem de cor o seu Hino Nacional.
Eu que nunca havia ido à Espanha, pensei, naquele momento, que nossos hinos eram iguais.
- Você vai escrever a letra do Hino com a referência do compositor e do letrista cinco vezes em seu caderno de Artes. E é para a próxima aula.
Fatiguei na hora descendo os ombros e sentido o preço de não ser nacionalista.
Mas eu era, adorava a Seleção de Futebol, adora ver o Nelson Piquet aos domingos de manhã e tinha torcido muito para a Seleção de Vôlei nas Olimpíadas de Los Angeles.
O Hino Nacional é uma composição muito difícil e, como criança é claro que poderia titubear por um segundo em alguma frase.
Muitas palavras que o constituem nunca havia lido em nenhum texto dos livros que tivera em mãos.
Nos dias que se sucederam ao fato expositivo em que a classe inteira ficou sabendo que eu não era nacionalista passei parte de minhas tardes a escrever a letra do nosso querido Hino Nacional. Decorei-o de tal forma que ainda hoje canto-o com vigor e cabeça erguida todas a suas estrofes.
Lembrança da professora Regina.

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