quarta-feira, 3 de junho de 2009

Super-Homem



Esse merece um conto só para ele: Leandro Focão.
Tinha esse nome agregado a um apelido parecido com aquele animal que vive nas regiões geladas, mas pasmem, não tinha nada a ver com tal bicho.
Mamãe e as vizinhas diziam que nascera com um probleminha na cabeça. Algo incomum que, na tenra idade, não entendia direito, uma coisa estranha chamada foco. Isso mesmo foco. Mas, o que seria foco?
Quando a criançada do bairro e da escola ouviu essa palavra, pegou na hora: Leandro Focão.
Toda vez que mamãe tentava me explicar o que era isso acabava se atrapalhando, dizia já meio sem graça antes de começar, que era uma mancha escura em algum lugar do cérebro, que é branco. Então, aquela mancha negra chamada foco, ficava dento da cabeça e deixava a pessoa diferente das demais.
E o Leandro era mesmo muito diferente. Não fisicamente, seu corpo era de certa forma, até parecido com o meu. Tínhamos a mesma altura e éramos magros, bem magros.
Mas quando brincava o Leandro era demais.
Passava todos os limites lúdicos que uma criança poderia atingir.
Quando brincávamos juntos, demorava algum tempo para que eu pudesse voltar à realidade, ao cotidiano normal e cético.
O fato mais marcante de nossa amigável trajetória foi quando naquela manhã fresca, indo para a escola de bicicleta, me encontrei com o Leandro, também indo para a escola de bicicleta, vestido com uma roupa de Super-Homem.
Sim!!! A roupa de Super-Homem que acabara de ganhar de seu pai ficara em segredo por pouquíssimo tempo e se revelava naquele instante aos meus e aos olhos de dezenas de crianças estupefatas.
Ninguém cria naquela vestimenta azul com uma longa capa vermelha, um S amarelo no peito e lá ia o Leandro pedalando velozmente para nossa escola.
Ninguém o acompanhava no pedal, parecia que a tal roupa realmente lhe trouxera super poderes.
Eu, simples mortal, o contemplava. Um pouco de inveja, mas um pouco mais de sentimento estranho, parecia meio com vergonha do ato.
Vergonha por achar aquilo atípico demais para um ambiente escolar. Ia todos os dias para a escola com uma camisa, uniforme de algodão com o nome da escola no peito, tinha três para alternar. Normalmente uma calça jeans me acompanhava, às vezes bermuda e o meu companheiro inseparável, o tênis.
Gostava de usar um único tênis até que se acabasse, era uma forma de fidelidade àquele pedaço de lona azul e com uma sola fina e flexível. Nada comparado aos “tênis equipamento” dos dias atuais.
O Leandro estava, na cabeça dele, a metros de altura sobre nós. E parecia que, para vê-lo, necessitava olhar para cima.
Foi engraçado. Pedalando, sua capa se posicionava na horizontal de seus ombros e flamulava como nossa bandeira em dias comemorativos.
Chegando a escola, nosso super-garoto contornou todo o quarteirão do prédio e todas as crianças que chegavam dos quatro cantos da cidade puderam vê-lo em ação.
Mas para espanto geral eis que, sem titubear, direcionou o guidão de sua pequena bicicleta no sentido contrário de onde vinha e se pôs de volta para casa sem olhar para trás.
Ele não entrou, faltou à aula. Mas nos mostrou o que é ser criança.
Havia comprometimento consigo naquele ato pulsante.
Sabia que não entraria com aquela vestimenta e não forçou a barra.
Seus pais, com certeza, sabiam da proeza e o apoiaram.
Sem dúvida, um dos dias mais lúdicos do ano, feito por um jovem galhofeiro amigo meu.

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